BBC
Publicação: 07/10/2013 09:05
Atualização:
A
determinação de um juiz de São Paulo de que o Facebook tirasse do ar
posts ofensivos sob pena de que, em caso de descumprimento, todo o site
fosse retirado do ar no Brasil, mostra um conflito entre leis nacionais
para a internet e o caráter global das redes sociais, alertam
observadores internacionais ouvidos pela BBC Brasil.
Na última
quarta-feira (2), o juiz Régis Rodrigues Bonvicino, da 1ª Vara Cível do
Foro Regional de Pinheiros, em São Paulo, deu ao Facebook 48 horas para
retirar do ar 22 postagens de seguidores da apresentadora de TV Luize
Altenhofen.
Ela havia se envolvido em uma disputa judicial com
um vizinho e seguidores dela na mídia social fizeram comentários
considerados ofensivos contra a outra parte no processo, o dentista
Eudes Gondim Júnior.
A Justiça já havia pedido a retirada dos
comentários do ar em abril, mas, de acordo com os jornais brasileiros,
o Facebook no Brasil alegou que tal "incumbência" caberia a empresas
distintas e autônomas, Facebook Inc. e Facebook Ireland LTD.,
localizadas respectivamente nos Estados Unidos e na Irlanda.
Na
última quinta-feira (3) à noite, o Facebook atendeu à determinação do
juiz Bonvicino para evitar que Embratel, Telefônica, Vivo, Globalcross,
Level 7, Brasil Telecom bloqueassem todos os IPs do domínio
Facebook.com nos cabos Americas I, Americas II, Atlantis II, Emergia
SAM I, Globalcrossing, Global Net e Unisur, como determinava o despacho
do magistrado.
'Como poluição'O
professor de Sistemas de Informação Jimmy Huang, da Universidade de
Warwick, na Inglaterra, diz que o caso mostra a "confusa interconexão"
de fatores em casos como esse.
Huang destaca a colisão entre a
abrangência doméstica das leis sobre internet e o alcance internacional
da infraestrutura e do conteúdo das redes sociais, neste caso, o
Facebook. Seis em 10 dos mais populares sites do gênero são banidos na
China, por exemplo.
"Na verdade, bons ou maus, certos ou
errados, a partir de nossas próprias percepções, muitos países têm uma
Constituição para legitimar essas ações. Esses sites de mídia social,
muitas vezes, são forçados a tomar decisões de negócios e moldar suas
práticas com base nesses marcos legais e políticos. Alguns decidiram
não ceder e saíram, caso do Google na China".
O diretor do
Centro de Tecnologias Sociais e Criativas Goldsmiths, Universidade de
Londres, Chris Brauer, vai na mesma linha. Ele afirma que a decisão do
juiz é "mais um exemplo da complexidade das leis locais em um mundo
digital e globalizado".
"Dados são como a poluição. Não
respeitam fronteiras e seu gerenciamento requer ações coordenadas e
tratados globais. Mas enquanto não houver uma regulação internacional
comum, o Facebook precisa fornecer respostas cultural e juridicamente
plausíveis, de acordo com leis e costumes locais", observa ele à BBC
Brasil.
Brauer critica a demora do Facebook em atender à demanda da Justiça brasileira.
"Argumentar
que o Facebook, embora autorizado a operar como empresa no Brasil, não
precise respeitar as decisões judiciais brasileiras não é razoável. É
semelhante a um comportamento colonial. Como qualquer empresa global, o
Facebook tem a opção de decidir se quer oferecer serviços no Brasil ou
não. Se optar por fazer negócios lá, deve arcar com a gama de
compromissos e direitos soberanos da nação".
'Solução fácil'Já
o porta-voz da Index on Censorship, grupo que faz campanha para a
liberdade de expressão, concorda que o Facebook deve respeitar a lei e
a determinação da Justiça brasileiras, mas alerta para o perigo da
"solução fácil", representada pela decisão judicial de tirar
completamente o site do ar, o que atingiria milhões de usuários.
"Em
última análise, sim, as empresas têm que cumprir a lei. Mas as leis
devem ser sensíveis à liberdade de expressão e não ameaçá-la,
especialmente em uma época em que a informação é negócio. Ameaçar todo
a Facebook mostra desrespeito à liberdade de expressão, algo comum à
forma como juízes e governos lidam com a web, utilizando o bloqueio de
sites como uma solução fácil", disse Padraig Reidy à BBC Brasil.
Reidy
afirma que a decisão do juiz, se levada a cabo, "não apenas teria
afetado a liberdade de expressão de todos os usuários do Facebook no
Brasil, que não têm nada a ver com este caso, mas também poderia ter
prejudicado os negócios que dependem do Facebook para propaganda e
publicidade".
"Há um paralelo no Paquistão, onde o YouTube foi
bloqueado por causa de um único vídeo "blasfemo" (que atacava
muçulmanos). É uma medida restritiva e punitiva, contrária à liberdade
de expressão", alerta. "A ameaça ao Facebook é muito perigosa".
Huang,
da Universidade Warwick, discorda, porém, que a eventual decisão de
tirar um site de rede social do ar seja "uma solução fácil" por parte
da Justiça.
"Como não há consenso internacional sobre como
regular as redes sociais, nenhuma solução é fácil. Sempre haverá gente
insatisfeita", reflete.
'Liberdade parcial'Entidades
internacionais veem com preocupação o aumento de ações governamentais e
judiciais para tentar bloquear conteúdo na internet.
Em seu relatório de 2013, a organização Freedom on the Net, alerta para o aumento do controle na rede mundial de computadores.
Afirma
que o cenário global piorou em relação a 2012, e uma das causas é a
perseguição de usuários de mídias sociais. A maioria dos casos, porém,
está relacionada a questões políticas, principalmente em países não
democráticos.
O Brasil ocupa a 31ª posição entre 60 países examinados, e é considerado um local de "liberdade parcial" na internet.
"Em
uma tendência perturbadora, ameaças, intimidação e violência contra
jornalistas online e blogueiros vêm crescendo nos últimos anos", diz o
relatório sobre o país.
Posts ofensivos »
Ameaça de tirar Facebook do ar revela conflito entre lei e força de redes sociais
De acordo com o relatório, que tem quase
900 páginas, a situação no Brasil se degradou no último ano devido a
ações legais e de governo contra o jornalismo online e redes sociais, e
mudanças na legislação, com introdução de novas leis, como a chamada
Lei Azeredo, que, entre outras medidas, cria uma polícia para combate a
crimes informáticos.