Processo nº 0000028-41.2013.8.17.0170
Requerente : O Municipio de Aliança
Requerido : Azoka José Maciel Gouveia e outro
O Município de Aliança, por seu representante legal, o Sr. Cláudio Fernando Guedes Bezerra, Prefeito Municipal, ambos devidamente qualificados nos autos, ingressou com a presente Ação de Obrigação de Entrega de Coisa Certa com Pedido Liminar contra o Sr. Azoka José Maciel Gouveia e NAAP – Núcleo de Assessoria à Administração Pública LTDA, também qualificados, argumentando, em síntese, que a segunda demandada foi contratada para prestar serviços técnicos especializados de consultoria nas áreas contábeis e financeira com disponibilidade de sistema de software, elaboração de prestação de contas gerais do exercício de 2012 e elaboração de proposta orçamentária do exercício de 2013. Contudo, finda a gestão do ex-Prefeito, os demandados retiraram da Prefeitura documentação contábil e financeira do Município dos últimos meses, bem como a empresa demandada bloqueou o acesso ao sistema de software.
Alega ainda, que os requeridos levaram consigo as conciliações bancárias dos meses de outubro, novembro e dezembro, o termo de conferência de Caixa, o boletim de tesouraria, os empenhos realizados no mês de dezembro, o talão de cheques do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, dentre outros documentos. E que, em face da ausência de informações acerca da contabilidade e finanças o Município encontra-se em situação calamitosa, com absoluto descontrole sobre o patrimônio público.
A fim de sustentar a sua pretensão, aduz a existência no nosso ordenamento, de fundamentos jurídicos de natureza constitucional e infraconstitucional a amparar o pedido, transcrevendo, dispositivos legais.
À exordial juntou documentos de fls. 09/31.
Instado a se pronunciar, o representante do Parquet opinou pela concessão da medida liminar.
É o relatório. Decido.
Trata-se Ação de Obrigação de Entrega de Coisa Certa visando a entrega de documentação contábil e financeira pertencente ao Município de Aliança, bem como o pedido da tutela antecipada visando o imediato desbloqueio do sistema de software.
Numa análise perfunctória da questão, própria das tutelas de urgência, entendo cabível a concessão a tutela antecipada, na forma dos arts. 273 e 461, do CPC. Vejamos:
Ao término do Mandato, todo gestor público deve preparar, publicar e entregar ao seu sucessor, relatórios da atual situação administrativa, que indiquem as dívidas do ente federado, relacionadas por credor, constando datas de vencimentos e capacidade da Administração Municipal realizar operações de crédito de qualquer natureza; as Medidas necessárias à regularização das contas perante o Tribunal de contas ou órgão equivalente, se for necessário; Prestações de contas de convênios celebrados com organismos da União e do Estado, bem como do recebimento de subvenções ou auxílios; Situação dos contratos com concessionárias e permissionárias de serviços públicos; Estado dos contratos de obras e serviços em execução ou apenas formalizados, informando sobre o que foi realizado e pago e o que há por executar e pagar, com os respectivos prazos; Transferências a serem recebidas da União e do Estado, ainda no exercício em curso, por força de mandato constitucional ou de convênios; Projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo em curso na casa legislativa respectiva, para permitir que a nova Administração decida quanto à conveniência de lhes dar prosseguimento, acelerar seu andamento ou referendá-los; Situação dos servidores públicos, custo, quantidade e órgãos em que estão lotados e em exercício, entre outras informações atualizadas, para que o novo gestor possa dar continuidade a Administração Pública, implementando seus programas de governo. Não é a hipótese dos autos.
Na sucessão de governo no município de Aliança, pelo que é apresentado nos autos, não ocorreu o repasse das informações da situação administrativa da edilidade, mormente quanto a prestação de contas do exercício de 2012 e elaboração de proposta orçamentária do exercício de 2013, que foram delegados a empresa de consultoria e assessoria administrativa e gerencial, a NAAP, segunda demandada.
Sabemos que administrar a coisa pública é defender a conservação e aprimoramento dos bens e serviços e interesses da coletividade. O objetivo da administração pública é o bem comum da coletividade administrada. O desvio desta premissa é análogo à traição do mandato de que foi, investido, pois a comunidade não o instituiu a gestão senão como meio de atingir o bem-estar social.
Cabe aqui destacar os princípios que regem a administração pública, consoante disposto no Art 37/CF:
“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[...]”
Os princípios carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo. Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe, será inválido.
O gestor público e seus auxiliares, bem como os permissionários, delegatários, concessionários, no exercício da função, tem o dever de zelar pela coisa pública e não podem
apropriar-se de documentos e informações da administração municipal. O que pode, caso seja comprovado, implicar em ato de improbidade.
O autor alega que não tem acesso a prestação de contas do exercício de 2012. Todo administrador público tem o dever de prestar contas, conforme positivado na Carta Magna da Republica Federativa do Brasil em seu art. 70:
(….) Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.
Ora, sabemos que a omissão também se constitui em ato. Há muito se vem consolidando a tese que limita a discricionariedade da ação administrativa aos ditames legais, de maneira que não haja afronta aos direitos dos particulares, e que orienta a busca, pelo Administrador, do eficiente para atingir o interesse social, no caso concreto. A omissão administrativa inviabiliza o exercício dos direitos e a concretização da implementação das políticas públicas. O administrador não é o senhor dos bens que administra, cabendo-lhe tão somente praticar os atos de gestão que beneficiem o verdadeiro titular: o povo.
A tutela antecipada da jurisdição, encartada no art. 273 do Código de Processo Civil, trouxe na sua essência o planejamento adiantado da exeqüibilidade da prestação jurisdicional definitiva, garantindo, assim, o cumprimento da Lei e resguardando o interesse da parte, sem, todavia, implicar no prejulgamento da lide.
Tal inovação processual, para sua efetiva prática, encontra-se subordinada através de pressupostos que delimitam o poder jurisdicional do magistrado para sua concessão.
São eles: a prova inequívoca que conduza à verossimilhança do direito instado em Juízo e o fundado receio de dano irreparável e de difícil reparação ou quando caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (art. 273 do CPC).
Como requisitos exigidos para a concessão da Tutela Antecipada, tem-se presentes no caso, o fumus boni iuris, que se encontra presente na legislação exposta, bem como o periculum in mora, que se encontra configurado no prejuízo ao erário municipal, pela total falta de dados sobre as despesas e receitas.
Acerca da “prova inequívoca”, trago à baila indelével prédica de Calmon de Passos, referida pelo insigne professor Reis Friede, em sua obra intitulada “Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar”, Editora Del Rey, 3ª edição, pág. 75:
“O que se deve entender por prova inequívoca? A prova, em si mesma, não tem qualificativos com conteúdo valorativo. Ela é prova documental, testemunhal, pericial etc. A força de convencimento nela existente é algo que menos nela se situa que no ‘pensar’ do magistrado ao seu respeito, ao analisá-la. Assim, entendo que prova inequívoca é aquela que possibilita uma fundamentação convincente do magistrado.”
Doutro turno, a verossimilhança, “em termo vernacular, tem o sentido de ‘semelhante à verdade, que não repugna à verdade; provável.” (ob. cit., pág. 78)
Por derradeiro, integra-se à tríade dos requisitos a possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, a qual, “in casu”, emerge da impossibilidade de administração do Município, e também do prejuízo ao patrimônio Público.
Os danos que poderão advir ao erário municipal, e a toda população, adquirem proporções incalculáveis, e, até mesmo, irremediáveis para a Cidade de Aliança, caso não ocorra o acesso às informações com o desbloqueio do sistema de software. Podemos relacionar dentre elas, a possibilidade de a União bloquear os recursos para o Município pendente de prestação de contas, culminando no não-repasse de recursos para diversas ações como merenda escolar, EJA, transporte escolar.
Considere-se ainda, que o não acolhimento da súplica autoral trará, certamente, mais prejuízos ao autor do que teriam os requeridos, “ad argumentandum”, com a concessão de uma decisão injusta.
À vista do exposto, com fundamento no art. 273 da nossa lei adjetiva civil, concedo ao autor a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, determinando que a segunda demandada DESBLOQUEI O SISTEMA DE SOFTWARE que contém as informações contábeis do Município, no prazo de 48(quarenta e oito) horas toda sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), sem prejuízo de outras medidas que visem dar efetividade a esta liminar.
Outrossim, determino desde já, havendo notícia de descumprimento desta ordem judicial, que se extraia cópia a partir desta decisão liminar e encaminhe-a ao Ministério Público para adoção das providências legais pertinentes, no que tange à responsabilização civil e/ou criminal da autoridade descumpridora.
Frise-se que, no caso de desobediência, poderão ser determinadas outras medidas para a obtenção da tutela específica (art. 461, § 5º, CPC).
Citem-se os Requeridos, na pessoa de seu representante legal, conforme postulado, para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, fazendo constar as advertências legais dos artigos 285 e 319 do Código de Processo Civil.
Ciência ao Ministério Público.
Intimem-se. Cumpra-se.
Aliança, 24 de janeiro de 2013.
MARIA DAS GRAÇAS SERAFIM COSTA
Juíza de Direito
Blog do Jamildo