Esta matéria destina-se à humanidade. Para que não esqueçam, jamais, do efeito devastador que é o lançamento de uma bomba atômica. E para que nunca mais, fatos como este venham a se repetir.
Imagine-se caminhando naturalmente pela rua de sua cidade, quando não mais que de repente, um clarão invade o horizonte e uma explosão violentíssima queima e destrói tudo que há nos arredores.
Escrito por Luciano Pádua
Este é o relato de Takashi Morita, que trabalhava como policial militar em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945.
Radicado em São Paulo desde 1956, onde fundou, em 1984, a Associação dos Sobreviventes da Bomba Atômica no Brasil, Morita esteve no Rio de Janeiro, para assistir ao lançamento do documentário
8:15h de 1945, durante o Festival Internacional de Filmes sobre Energia Nuclear. Com sorriso inocente e olhar sincero, Morita, munido de sua inseparável bengala, descreveu ao
Jornal do Brasil os horrores que presenciou após a detonação do ataque de guerra mais famoso da história.
O 6 de agosto de 1945 ficou marcado na história da humanidade como o lançamento da primeira bomba nuclear de destruição em massa a uma população civil. Realizado pela Força Aérea dos Estados Unidos, o bombardeio aconteceu no final da Segunda Guerra Mundial e serviu como demonstração ao mundo do poderio bélico dos EUA. Ainda, funcionou como um alerta à guerra – fria – que bipolarizou o mundo até a queda da União Soviética, em 1991.
Estima-se que a explosão tenha matado, ou pulverizado, cerca de 70 mil indivíduos imediatamente, totalizando 90 mil mortos ao fim do mesmo dia. As edificações de Hiroshima eram constituídas, em sua maioria, de madeira, o que intensificou as chamas que vieram da bomba. Denominado Little Boy, o artefato, que continha 65 kg de urânio e poder explosivo de 15 quilotons, foi lançado de um avião B-29 e demorou 43 segundos até detonar, a 600 metros do chão.
No dia nove de agosto de 1945, foi a vez de Nagakasi conhecer o horror de uma explosão nuclear. Inicialmente projetada para ser detonada na cidade de Kokura, a nebulosidade fez com que os militares norte-americanos mudassem o alvo. As estimativas para a segunda bomba nuclear são de que, instantaneamente, 40 mil pessoas morreram. Em 15 de agosto do mesmo ano, o governo japonês declarou rendição incondicional e findou a Segunda Guerra Mundial.
Aos 21 anos, em 1945, Morita, então policial militar conta que estava alocado em Tóquio – que havia sido varrida por um onda incendiária após bombardeio em março do mesmo ano pelas forças norte-americanas – uma semana antes da explosão nuclear. Foi para Hiroshima, até então intocada, a fim de evitar novas investidas bélicas. Não houve barulho, não houve tempo para se preparar. O aviso de que aquela segunda-feira não seria como as outras veio de um clarão assustador, que envolveu o centro da cidade com temperaturas superiores a 4000°C. Depois, a claridade agradável da manhã deu lugar à escuridão.
Morita, que estava a 1,3 km do epicentro da detonação, foi lançado a muitos metros de onde se encontrava. Lembra que o dia era ameno e quente, e não se ouviu o barulho dos aviões. A farda e o chapéu da polícia protegeram seu corpo da exposição total ao calor, deixando-o com ferimentos mais graves somente no pescoço e nas mãos. O relógio que utilizava no pulso foi incinerado.
Inferno
Ao retomar a consciência, o cenário que o circundava era a descrição do inferno. Pessoas queimadas com a pele esgarçada pendendo de seus corpos, cadáveres espalhados pelas ruas e calçadas, prédios destruídos e o inesquecível odor de morte que se apossou da atmosfera. Emocionado, Morita conta que entrou em um bonde e viu, enfileirados, os corpos incinerados e imóveis de dezenas de pessoas.
Os sobreviventes andavam a esmo, com as roupas – e as peles – rasgadas pela explosão. Crianças, mulheres, idosos, policiais e a estrutura da cidade haviam sucumbido à violência da bomba.
Todavia, a detonação foi apenas a etapa inicial do processo desencadeado pela Little Boy. Em seguida, veio o que Morita descreveu como “chuva negra”, precipitação de poeira e cinza que ficaram suspensas após a explosão. Quando caíram os detritos mais densos, uma fina camada de poeira radioativa pairou no ar. Os efeitos dessa chuva em seres humanos são muito variados, desde queimaduras graves a mutações genéticas, que podem ser repassadas às gerações futuras com o nascimento de crianças deformadas e com anomalias genéticas.
O japonês recorda que as pessoas, sedentas e famintas, bebiam a água que vinha das nuvens e morriam após a ingestão. Ele passou dois dias sem comer nem beber até a cidade ser socorrida.
“Lembro-me de ouvir as pessoas dizendo: “esses americanos querem nos matar mandando óleo”. E eu respondi: “não é óleo, é ácido radioativo””, recorda.
Ele atribui sua sobrevivência à alimentação que recebia no quartel da polícia porque, na época do esforço de guerra, havia racionamento de comida e a população estava fraca e subnutrida. “Sobrevivi porque era forte e saudável”, lembra. Por sua condição física, Morita ajudou nos trabalhos de recuperação de Hiroshima, resgatando pessoas de escombros.
Alguns meses depois do lançamento da bomba, apesar dos 21 anos e da forma física, os médicos lhe deram pouco tempo de vida. “Na época, os médicos disseram que eu só viveria dois anos após a explosão, hoje estou com 88 anos”, disse, rindo, o japonês. “Minha mulher também foi vítima da bomba e disseram que só viveria mais dois anos. Morreu há três anos, com saúde”.
Em setembro de 1945, o tufão Makurazaki passou pela cidade e, ao contrário do que se possa acreditar, Morita comemorou o acontecimento, alegando que foi uma benção divina para a cidade.
“A cidade estava destruída, mas Deus ajudou e trouxe o tufão, que limpou Hiroshima e levou embora a radiação. Em outubro, renasceu a cidade de Hiroshima e a vida recomeçou”, disse.