domingo, 26 de janeiro de 2014

Cristãos movimentam R$ 21,5 bilhões no Brasil

Igreja »Valor arrecadado nas igrejas católicas e evangélicas em 2012 é 4,3% maior que no ano anterior. Cenários desfavoráveis ou mesmo graves crises econômicas não costumam atingir a receita das igrejas. As doações respondem por 72% do dinheiro em caixa

Diego Amorim - Correio Braziliense
Marta Vieira - Estado de Minas
Publicação: 26/01/2014 12:51 Atualização: 26/01/2014 16:05

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Ramon Lisboa/EM/D.A Press

A relação das religiões cristãs com o dinheiro, ao menos abertamente, nunca se deu de maneira confortável. Antes de a chamada teologia da prosperidade apresentar aos fiéis a ideia de que graça divina e riqueza são diretamente proporcionais, o tema só aparecia nos sermões se fosse para ser abominado. Os primeiros padres definiam o dinheiro, ainda nos idos dos anos 200, como “excremento do diabo”, sempre associado à vaidade e ao orgulho, pecados mortais.

Os tempos modernos, no entanto, mostraram a outra face de patrimônios bilionários das igrejas, católicas e evangélicas, e surpresas, como as denúncias de escândalos financeiros que teriam sido praticados pelo Banco do Vaticano. O próprio papa Francisco, incomodado com a imagem da Santa Fé, determinou ampla revisão do gerenciamento da instituição.

A despeito do tabu criado em torno das sagradas finanças, atrás de números capazes de medir a força e o ritmo de crescimento da economia movimentada pela fé no Brasil, o Estado de Minas/Diario apurou que uma bolada de R$ 21,5 bilhões ingressou nos cofres das igrejas católicas e evangélicas em 2012, com base em levantamento recente divulgado com exclusividade pela Receita Federal. A arrecadação alcança quase R$ 60 milhões, em média, por dia. Padres, bispos e pastores precisaram aprender a contar dinheiro e a gerenciar os templos.


A partir de hoje, o EM destrincha essa economia que a crença alimenta no país, mostrando como instituições religiosas, favorecidas pela imunidade tributária, administram o constante volume de ofertas, dízimos e recursos de outras naturezas. Os dados inéditos da Receita Federal indicam que, em relação a 2011, a arrecadação cresceu 4,3%. Cenários desfavoráveis ou mesmo graves crises econômicas não costumam atingir a receita das igrejas. As doações respondem por 72% do dinheiro em caixa. O restante equivale a rendimentos gerados com aluguel ou venda de bens, aplicações em renda fixa ou mesmo, em casos mais raros, operações em bolsa de valores.

“Não há uma relação de lucro nem de acumular, mas de investir naquilo que ela (a igreja) acredita, que é a fé” - Vigário Flávio Campos, da Igreja de São José, de Belo Horizonte.

A sobra dos recursos doados às instituições, na maioria das vezes, é destinada à poupança ou aplicada em Certificados de Depósito Bancário (CDBs), os dois modelos mais simples de fazer o dinheiro render. Estratégias ousadas, como a compra e venda de ações, em geral, são feitas em nome dos próprios líderes dessas instituições.

Livres da obrigação de pagar impostos, as atividades ligadas à religião utilizam o mercado financeiro como porto seguro para as finanças. Ainda que tenham estrutura, hierarquia e receita dignas de grandes corporações, as igrejas exorcizam o termo lucro e não encaram a gestão dos rendimentos com naturalidade. “O lucro pode não ser a finalidade última, mas se toda instituição religiosa quer crescer de alguma forma, ela precisa ganhar mais do que gasta, e isso não deixa de ser lucro”, pondera o professor Eduardo Gusmão, do Núcleo de Estudos Avançados em Religião e Globalização da PUC de Goiás. Raríssimas igrejas prestam contas publicamente.

Devoção essencial Quando se trata de aperto do caixa divino, Minas Gerais é um dos estados em que mais aflora a importância das doações dos fiéis não só para a evangelização quanto para a manutenção das paróquias e não é por pouco. Minas se destaca na diversidade de festas em louvor de divindades e nos eventos de turismo religioso, segundo o Ministério do Turismo. O número de mineiros que se declaram católicos alcança 70,6% da população de 19,6 milhões, percentual superior à proporção no país, de 64,6% do total dos brasileiros.

Segundo a Arquidiocese de Belo Horizonte, formada por uma rede de 273 paróquias espalhadas por 28 municípios da região metropolitana, algumas delas com mais de uma igreja, são as contribuições da fé que bancam o dia a dia. O dízimo (contribuição mensal), a coleta (dinheiro recolhido na hora da missa) e as doações em qualquer tempo representam a principal fonte de manutenção das paróquias. A fé também constrói. Com orçamento de R$ 100 milhões, as obras da Catedral Cristo Rei, de Belo Horizonte, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, morto em dezembro de 2012, foram iniciadas em novembro do ano passado. As doações bancam os serviços, somando até o momento 20% dos recursos necessários.

Outro exemplo do desembolso em nome da fé é o da reforma da Igreja de São José, no Centro de BH. A primeira etapa dos trabalhos consumiu mais de R$ 2 milhões, levantados pelos devotos. O vigário paroquial e responsável pelas obras, padre Flávio Campos, planejou com o pároco José do Carmo Zambom a campanha “São José é 10”. “Todo recurso só existe em função da fé. Manter a fé e difundir a fé são  os objetivo da igreja. Não há uma relação de lucro nem de acumular, mas de investir naquilo que ela acredita, que é a fé”, afirma o vigário Flávio Campos.

Devoto de São José, São Bento e de Nossa Senhora da Aparecida, o porteiro Antônio Santos não descuida das contribuições. Da renda mensal de um salário mínimo e meio (R$ 1.086), da qual ele vive, R$ 12 são destinados à igreja, além de doações pontuais. “Recebo muitas bênçãos e nunca fico desempregado. Acredito que é importante ajudar a igreja para ser ajudado por Deus”, diz. 


Proteção terrena
“Com uma captação garantida e, de certa maneira, fácil, a preocupação maior das igrejas é proteger recursos. Elas movimentam uma quantia monstruosa, mas não têm interesse algum em aparecer. O objetivo é pulverizar investimentos e chamar o mínimo de atenção”, comenta um operador do mercado. Os seminários católicos, com poucas exceções, não ensinam economia, finanças ou administração. A falta de formação nesse sentido vale igualmente para os pastores. “As igrejas nunca vão gerir o dinheiro como o mercado. Até porque, em tese, não existe a intenção de tirar o máximo de proveito dos bens”, avalia o diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o padre Valeriano Santos Costa. No Brasil, como norma constitucional, não incidem impostos sobre atividades ligadas ao universo religioso, não importando a crença, a tradição da doutrina, o tamanho do templo ou o número de adeptos. (DA).

Afiados na rotina de administrar
Além do ofício divino, os padres mergulham no universo dos administradores e, gostando ou não, se viram obrigados a digerir as palavras e os gestos do papa Francisco sobre a relação da Igreja com o dinheiro, o poder, a vaidade, o consumismo. Em julho do ano passado, a uma plateia de 6 mil seminaristas e noviças de 66 países que lotavam a Sala Paulo VI, no Vaticano, o papa desabafou: “Dói-me ver padres e freiras com veículos do último modelo. Não pode ser”, disse o argentino, que quando arcebispo de Buenos Aires andava de ônibus e metrô pela cidade.

Em BH, o vigário da Igreja São José, Flávio Campos, aprendeu as lições que um bom planejamento ensinam na gestão de paróquias, que vivem basicamente de doações que chegam pelo dízimo, maior força da economia das paróquias, as ofertas espontâneas como nas celebrações e as contribuições extraordinárias. Entre as atividades burocráticas, que vão além da evangelização, padre Flávio destaca a execução das despesas ordinárias e manutenção de custos fixos, entre eles os encargos sociais de 40 funcionários contratados com vínculo baseado na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

As preocupações do religioso também passam pela distribuição da verba. “É preciso calcular bem. Se gastamos muito em uma área, vai faltar em outra. Tem que haver esse bom senso de eleger as prioridades e definir como gastar”, lembra o padre Flávio. A Arquidiocese de BH tem estrutura para ajudá-los no trabalho, com departamentos de contabilidade, jurídico e auditoria. De acordo com a assessoria de imprensa da instituição, os padres prestam contas à mitra arquidiocesana.

“Por estar bem inserido na comunidade, o padre percebe bem as necessidades, mas também as possibilidades e as decisões vão do consenso de que não se pode gastar mais do que se tem”, afirma o vigário da Igreja de São José. A campanha para angariar fundos para a segunda etapa do templo, que prevê a pintura externa, deve começar em 19 de março, quando é celebrado o Dia de São José. A previsão é de que a obra seja entregue à população em dezembro deste ano.
Cada igreja católica tem autonomia para administrar seus recursos, segundo o Código de Direito Canônico, conjunto de normas que regem o catolicismo no mundo. Em tese, um conselho formado por leigos — e voluntários — deve ajudar os padres a gerir os bens, o que nem sempre dá certo. Há também o apoio financeiro internacional, mas nem a Igreja, nem o Banco Central detalham esses valores, sob a alegação de segredo bancário.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reconhece que esse apoio externo está minguando, devido principalmente à crise econômica mundial. A instituição tem como importante fonte de receita o lançamento de duas campanhas todos os anos: a da Fraternidade (na Quaresma) e a da Evangelização (no período do advento, antes do Natal). Nesses dois períodos específicos, 35% de toda a oferta arrecadada nas igrejas do país vão para a entidade. Em 2013, somente a segunda campanha rendeu R$ 4 milhões. Esse dinheiro financia projetos como as missões realizadas na Amazônia. (DA, CM e MV)

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