POR JAMILDO EM NOTÍCIAS
Por Yuri Herculano
Advogado, especial para o Blog de Jamildo
Advogado, especial para o Blog de Jamildo
Tratado durante décadas como tema secundário, o sistema penitenciário de Pernambuco ocupou, nas últimas semanas, a primeira página dos jornais locais e nacionais da pior forma possível: rebeliões levando à tona todas as falhas do sistema.
As diversas razões que denotaram a grave crise – crise esta que nos parece inerente ao próprio sistema – envolvem todas as peças desta complexa engrenagem: desde os motivos e a desnecessidade que levam o sujeito ao cárcere até os órgãos do Poder Judiciário.
Em nosso sistema penal, duas são as modalidades de prisão: a prisão provisória, que se dá antes da conclusão do processo; e a prisão-pena, decorrente de sentença condenatória com trânsito em julgado (ou seja, sem a possibilidade de recursos).
Em relação à pena privativa de liberdade, o Código Penal estabelece que a sua aplicação deva se nortear pelo binômio prevenção – retribuição. Assim, a pena uma vez fixada, deverá se prestar a prevenir a ocorrência de novos delitos, bem como retribuir o mal causado pelo delito praticado.
Todavia, além do binômio citado, lembremos que o objetivo precípuo da execução da pena privativa de liberdade seria a reintegração do encarcerado à sociedade, tendo em vista o caráter de “transitoriedade” da segregação.
Em que pese às diretrizes do sistema penal brasileiro, grande parte da sociedade, por absoluta ignorância, acredita que a política do “quanto pior, melhor” é a que deve nortear o sistema prisional.
Partindo desta premissa e, muito mais preocupados com os votos a serem conquistados, os gestores públicos parecem ter adotado esta absurda e equivocada política. Equivocada não apenas por uma questão humanitária e social, mas inclusive de segurança pública.
O Estado se ausentou das unidades prisionais, permitindo, durante anos, a autogestão. Quando se fala em autogestão, tem-se esta seu sentido pleno, ao ponto de se entregar as chaves do cárcere aos encarcerados. Pernambuco é o único estado da federação onde há a figura do “chaveiro” – geralmente, presos que possuem melhores condições econômicas ou gozam de algum ‘poder’ no mundo do crime.
Atualmente, mudou-se a nomenclatura e passaram a ser chamados de ‘representantes de pavilhão’, talvez numa tentativa de encobrir a prática. Contudo, os que conhecem o sistema prisional sabem que, independentemente do nome que recebem, os referidos “personagens” detêm poder sobre a vida e a morte dos demais detentos, cobram verdadeiros “pedágios” para permitir o deslocamento da população carcerária ao acesso ao atendimento médico, jurídico ou se reportar a um agente penitenciário, além dos percentuais (comissões) sobre o comércio informal e tráfico de drogas (realidade nas unidades prisionais pernambucanas), alguns chegando inclusive a comandar também esta atividade.
Outra questão importante diz respeito às visitas íntimas: Pernambuco mantém uma cultura insensata de permitir que companheiras, esposas ou namoradas pernoitem nas unidades prisionais como se fossem verdadeiros motéis.
Não raras vezes, muitas prostitutas foram encontradas após temporadas de dias e até semanas no interior do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno – tudo diante dos olhos dos agentes estatais.
O Estado passou décadas acreditando que poderia levar adiante o problema desta maneira, sem um plano de gestão para o sistema prisional, plano este que necessariamente deveria passar pelo investimento em pessoal – com a valorização da carreira de agente penitenciário, acompanhamento do egresso (preso liberto), a fim de evitar a reincidência, além da modernização e ampliação das unidades físicas, inclusive com a inutilização do antigo Presídio Aníbal Bruno. Não pode se admitir uma unidade prisional desta envergadura inserida em um centro urbano, vez que, além de ser uma constante ameaça à segurança da população do entorno do complexo, facilita a entrada de armas e drogas, frequentemente arremessadas para o interior da unidade.
Neste contexto, Pernambuco resolveu apostar no sonho da Parceria Público Privada para a construção do Centro Integrado de Ressocialização-CIR de Itaquitinga, que, supostamente, resolveria a situação do nosso precário sistema prisional.
Entretanto, a empresa parceira foi à falência antes da conclusão da obra, impossibilitando, assim, a sua utilização pelo Estado. Sem um plano alternativo, deu-se a estagnação na criação de novas vagas nas unidades. Ressalte-se, ainda, que o problema das vagas que não será resolvido com os presídios de Tacaimbó e de Santa Cruz do Capibaribe, ainda não inaugurados. Para agravar, foi investido cerca de 30 milhões de reais na reforma e divisão do Presídio Aníbal Bruno, que, como vemos, serviu apenas para tornar uma coisa ruim em três coisas piores.
Buscando minimizar os efeitos devastadores desta crise, o Governo de Pernambuco declarou no dia 30.01, estado de emergência no sistema penitenciário, fixando ações que deveriam ser programáticas, e não emergenciais, caso assim não o seja, corre-se sério risco de não haver qualquer avanço efetivo, apenas paliativo.
Por outro lado, a política encarceradora do Poder Judiciário, que não adota a prisão como última, mas como única e imediata medida, associada à morosidade na conclusão dos processos, contribui diretamente para o agravamento da situação. Diariamente, o número de reclusos que ingressam em nosso sistema prisional é imensamente superior aos que dele saem.
A soma dos fatores já citados fez eclodir as rebeliões presenciadas por todos nos últimos dias, que tiveram como principal reivindicação o afastamento do magistrado da 1ª Vara das Execuções Penais de Pernambuco.
Sabe-se que a principal competência das varas de execuções penais é a autuação e andamento dos processos dos condenados a uma pena privativa de liberdade, cabendo ao juízo da execução a apreciação e julgamentos dos incidentes, como progressão e regressão de regime prisional, livramento condicional, prisão domiciliar, transferência entre unidades prisionais, até a extinção da pena. Além das jurídicas, também possui o juízo da execução atribuições administrativas (não menos importantes, mas secundárias, porquanto não são atividades fins), como a inspeção das unidades prisionais.
Além de tais competências, as varas de execuções penais possuem algumas peculiaridades, exigindo dos Magistrados que as conduzem, dedicação extrema, quase que sacerdotal, pois tais unidades jurisdicionais são muito mais movimentadas que as demais em razão da presença constante e sempre em grande número dos parentes dos detentos, bem como dos advogados, sem contar o acervo gigantesco.
É bem verdade que o problema específico da 1ª Vara das Execuções Penais de Pernambuco não é de hoje, nem o pai é o atual Magistrado titular. Todavia, o problema foi imensamente agravado por uma má gestão cartorária (onde um simples pedido para ser anexado aos autos, não rara vezes, demora semanas e até meses), bem como pela total falta de perfil para exercício da função por parte do referido Juiz, inclusive se negando a receber advogados, conforme determina a legislação vigente.
É de conhecimento público e notório que o acervo processual da citada Vara é superior quando comparado às outras três varas de execuções penais do Estado. Não obstante tal fato, não há qualquer justificativa plausível para a distância abissal no que se refere à agilidade do julgamento dos feitos: a análise de um benefício na 1ª VEP chega a durar mais de quatro meses, enquanto que nas demais não passa de quinze dias.
A precariedade da assistência judicial oferecida aos reclusos condenados e provisórios é precária. Em que pesem os esforços hercúleos dos abnegados Defensores Púbicos, a insuficiência estrutural e de pessoal impede que o serviço seja prestado de forma minimamente satisfatória.
Diante do que se oberva, parece-nos até um contrassenso falar na crise de um sistema falido desde sua concepção. É preciso, no entanto, que este momento sirva para todos os atores envolvidos repensarem suas atuações e responsabilidades. A sociedade, inclusive, deveria questionar se, de fato, “a política do quanto pior, melhor” é a que deve ser adotada, pois enquanto não houver efetiva reintegração social será sempre ela, inegavelmente, a maior vítima.
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