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Por Jornal de Caruaru
As
paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo.
Saíamos marchando com colegas de ginásio e apreciávamos a Cabocla em
seu carro-charola, como se fosse uma santa pagã
No
2 de Julho Salvador esteve bonita como às vezes a gente pensa que ela
não vai nunca mais voltar a ser. Ou pelo menos foi a impressão que me
deram as fotos que Regina Casé me mandou de lá, tiradas de uma janela
no Carmo. O desfile do Caboclo (com Maria Quitéria, Joana Angélica e
vários outros personagens que viraram nomes de ruas de Ipanema) parece
ter sido deslumbrante. As manifestações de junho contribuíram
positivamente para isso.
As
paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo. Em
Santo Amaro saíamos marchando com os colegas de ginásio, enchíamos a
cidade de guirlandas verde-amarelas e apreciávamos a Cabocla em seu
carro-charola, como se fosse uma santa pagã. Aliás, a capela que há no
Largo da Lapinha, em Salvador, onde ficam guardadas as imagens do casal
de índios que simbolizam a Independência, tem portal
verde-amarelo-azul-e-branco e é como se fosse um santuário. Há um gosto
de igreja positivista nisso tudo. Mas o sentido geral é muito maior.
Mangabeira Unger me conta que acompanhar o desfile do 2 de Julho com o
avô, o ex-governador Otávio Mangabeira, foi experiência formativa do
essencial em sua personalidade. Para mim, é coisa à beça. Pois bem,
contam-me que esses desfiles, que passaram alguns anos um tanto
desprezados, vinham voltando a crescer, tendo-lhes a série de passeatas
iniciadas em junho injetado energia, o que fez a parada deste ano ser
ainda mais concorrida. E sobretudo mais significativa. Manifestantes
somaram às alegorias e às marchas escolares suas faixas e cartazes, sua
revolta e sua esperança, como, aliás, convém a uma celebração de
independência.
Procurem
saber por que a festa da Independência na Bahia é mais intensa no 2 de
julho do que no 7 de setembro. Ou leiam algum antigo artigo de Cesar
Maia sobre o assunto (ele pôs uma estátua do corneteiro Lopes numa
esquina de Ipanema porque conhece e ama essa história, e a narrou em
texto publicado). Parece maluquice falar em Cesar Maia num artigo em
que pretendo me dirigir a quem planeja enriquecer a comemoração do 7 de
Setembro com reiterações das exigências espontaneamente expostas nas
manifestações de junho/julho. Mas tenho de manter a minha fama de mau.
O que desejo, no entanto, é tomar o 2 de Julho baiano deste ano como
exemplo do que deve ser o 7 de Setembro nacional. Li no Jânio de
Freitas (articulista cuja carreira inspirou Glauber Rocha e é exemplo
do lugar que ocupa na grande imprensa o pensamento crítico de esquerda)
palavras indignadas com a agressão à emergência do Hospital
Sírio-Libanês perpetrada pelos grupos violentos que se tornaram um
lugar-comum do estágio final de cada passeata. Já me referi aqui à
arriscada simplificação que a mídia faz quando separa os protestos, que
começam pacíficos, dos atos de “vandalismo” que em geral a eles se
seguem: muita gente que não joga pedra se sente representado por quem
joga — e muitos dos que saem sem esse intuito muitas vezes aderem, no
calor da hora, aos atos agressivos. Todos sabem (a Globo mostrou os
vídeos da Mídia Ninja) que a incitação à barbárie por vezes parte de
policiais infiltrados e disfarçados do Guy Fawkes do filme daqueles
irmãos chatos que fizeram “Matrix”. Mas as depredações de bancos e
butiques responde a uma raiva anticapitalista que é parte do impulso
político que fez nascer as manifestações.
Também
às formas meio filosóficas, meio literárias de expressão de tal
sentimento engendradas por leitores de Deleuze e Foucault, como Antonio
Negri e Michael Hardt (de quem, aliás, ganhei um livrinho, chamado
“Declaration”, que, apesar do frufru de sempre, me pareceu, à luz dos
recentes acontecimentos no Brasil, muito interessante e algo
pertinente). Seja como for, um 7 de Setembro violento seria uma
burrice. Meu colega Sidney Waismann me procurou para propor algum gesto
público que prevenisse a hecatombe que o artigo de Jânio de Freitas
esboça (a partir do que leu em redes sociais). Sidney sugere chamar
Zuenir, Alba Zaluar, Francisco Bosco, quem sabe companheiros músicos e
outros criadores e pensadores, e pedir audiência com Beltrame. Por
outro lado, expor aos manifestantes a questão não formulada: a
violência é mais eficaz? Ele lembrou que Zuenir evoca Gandhi, Luther
King e Mandela como exemplos. Se sairmos pela paz na Independência, o
país lerá concentradamente a pergunta “Cadê Amarildo?” e tentará
respondê-la. O mundo passa por convulsão. Nós precisamos de sabedoria.
Dizer que passeata pacífica é armação da mídia golpista é pobreza que
ajudará os piores argumentos dos reacionários. O artigo de Francisco
Bosco foi iluminador. Para mim, violência no 7 de Setembro seria
simplesmente burrice.
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