De acordo com especialista, falta de saneamento básico e condições de vida da população de baixa renda determinam o maior número de infecções nesse público.
Levantamento feito no início deste mês pela Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude do estado mostra que das 1.203 notificações de suspeitas da síndrome, 636 envolviam mães inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, criado para que pessoas de baixa renda tenham acesso a políticas públicas de distribuição de renda. Desse total, 77% são consideradas de extrema pobreza, ou seja, fazem parte de famílias cuja renda per capita seja de até R$ 47. De acordo com o Ministério da Saúde, hoje o estado conta com 1.601 casos suspeitos.
Para a chefe do setor de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco, Ângela Rocha, as condições de vida da população de baixa renda determinam o maior número de infecções nesse público.
“É onde se tem dificuldade de coleta de lixo, então atrai mais mosquito. Não tem um saneamento básico, não tem água encanada e tem que guardar em depósito. Elas têm dificuldade de usar repelente. E nunca, nesse calor aqui, por mais que a gente fale, protegem as extremidades. Todo mundo tem chance de ter a doença, mas essa população se expõe mais pela própria condição onde vive. E a dificuldade do saneamento básico é uma questão fundamental para a proliferação do mosquito”, avalia.
Apesar da felicidade pelo nascimento do novo filho, a condição de microcefalia do bebê deu à família gastos extras devido à necessidade de viagens constantes para exames e consultas. A dona de casa não tem renda, e o marido trabalha como garçom, sem salário fixo. “Quando tem sol, ele é chamado. Se não tem, nada feito”, conta Jakeline que recebe R$ 192 do programa federal.
Ela conta que, desde o nascimento de Gustavo Henrique, há 2 meses, cada viagem ao Recife para consultas onera a família em até R$ 60. “Além das passagens eu preciso almoçar e às vezes tomar café na rua, quando saio muito cedo. Quando meu marido vem junto, os gastos dobram. Isso porque ainda não conto com as adaptações que vou ter que fazer no futuro para que meu filho viva bem”, calcula.
Jakeline conta que optou por não usar o transporte gratuito oferecido pela prefeitura por medo de que o filho adoeça. “Ele é muito pequeno, tem imunidade baixa, e no carro vem todo mundo que faz tratamento no Recife, inclusive pessoas com tuberculose. Fiquei com medo de ele pegar alguma coisa”, explica. O horário de saída co carro também é ruim, na opinião da mãe. “Eu tinha que madrugar com ele e, às vezes, a consulta era só à tarde.” A dona de casa batalha para conseguir, com a ajuda do Conselho Tutelar em Ipojuca, um carro que esteja disponível só para ela e o bebê.
Deslocamentos dificultam vida das famílias
A falta de estrutura adequada para atendimento dos bebês com microcefalia no interior de Pernambuco é outro desafio para as mães dessas crianças, que precisam viajar de duas a três vezes por semana para as consultas.
“Seria bom se os atendimentos fossem mais próximos da minha casa, se tivesse um mutirão de consultas no interior em vez de ficar só voltado pro Recife. Porque é longe. O pessoal pensa que é perto, mas não é. É cansativo, tem que acordar cedo, estar no horário certo no hospital”, reclama a moradora de Ipojuca.
A médica Ângela Rocha, do hospital Oswaldo Cruz, referência no diagnóstico de bebês com microcefalia em Pernambuco, conta que a situação já foi pior. “A gente recebia de todo o estado. Tinha criança que chegava da cidade de Petrolina, que é em torno de 11, 12 horas de viagem. Além do estresse que a mãe já tem, esse deslocamento, e tinha que vir várias vezes, então era super cansativo”, conta a médica explicando que, depois do surgimento de diversos casos de microcefalia, o governo criou polos de atendimento em municípios mais distantes.
De acordo com a Secretaria de Saúde de Pernambuco, além da rede no Recife, existem atualmente mais quatro polos de diagnóstico e atendimento: em Caruaru, Garanhuns, Serra Talhada e Petrolina. Para atividades de reabilitação, o órgão informou que está finalizando o planejamento para que as Unidades Pernambucanas de Atenção Especializada (UPAEs) passem a reforçar a rede com atendimento de fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas e oftalmologistas.
De acordo com o governo estadual, pessoas com deficiência e seus acompanhantes têm acesso a transporte coletivo gratuito na região metropolitana do Recife por meio do cartão Vem Livre Acesso. Atualmente, a média de espera para receber o cartão chega a 90 dias.
“Estamos discutindo para reduzir pela metade essa espera, e também para dar prioridade a famílias envolvidas nessa questão da microcefalia. Vamos fazer um mutirão até meados de março, até para divulgar, porque elas não sabem que têm esse direito. E vamos fazer uma busca ativa para orientar essas famílias para que possam acessar o Vem”, disse o secretário Isaltino Nascimento.
O gestor também informou que a pasta analisa a expansão do serviço para áreas além da região metropolitana. “Estamos discutindo também a possibilidade de deslocamento intermunicipal. Mas isso deve ser incluído em um novo edital de concessão dessas linhas. Aí não é só para microcefalia, mas para todas as pessoas com deficiência. Isso deve sair ainda em 2016.”
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