segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Por que os conservadores querem a morte do Papa Francisco?

Postado por Jeozivaldo Cesar

Os motivos por trás da campanha contra o papa Francisco dirigida pelo cardeal norte-americano Raymond Burke, alinhado ao grupo do presidente Trump.

Cartazes colados em Roma traziam críticas ao papa Fracisco.
Cartazes colados em Roma traziam críticas ao papa Fracisco. Foto (Filippo Monteforte/AFP)
Por Christopher Lamb*
No início do mês, cartazes criticando o papa surgiram em Roma, e um jornal falso que zombava do pontífice foi enviado a cardeais da cidade. O repórter Christopher Lamb investiga o caso.
Fiquei chocado quando os vi.
Estava sentado algumas fileiras atrás de uma freira em um bonde quando paramos ao lado de cartazes em que o papa Francisco aparece com um olhar carregado.
Sob seu rosto aborrecido, quase ameaçador, havia uma lista de reclamações: ele havia destituído padres, ignorado preocupações de cardeais e "decapitado" um antigo grupo católico, a Ordem de Malta.
Isso é o oposto do que me acostumei a esperar ver em Roma. O bonde passava por uma parte da cidade onde normalmente há imagens de um papa sorridente, com os braços estendidos ou fazendo um sinal positivo com a mão.
Aqui na Itália, o papado é o mais perto que há de uma monarquia, então, não é surpreendente que autoridades da capital tenham ordenado que os pôsteres fossem cobertos, só restando um aviso: "Cartaz colado ilegalmente".
Ao mesmo tempo em que os cartazes surgiam nas paredes da cidade, cardeais de Roma abriram suas caixas de correio e encontraram uma versão falsa do jornal do Vaticano, o L'Osservatore Romano (foto 2).
Na capa, havia uma lista de perguntas ao papa feitas por um grupo de cardeais conservadores em que a resposta sempre era sic et non (sim e não). Estavam pregando uma peça no pontífice em seu próprio território - e em latim.
Francisco é um dos papas mais populares da história da humanidade, mas enfrenta bastante resistência às mudanças que promoveu e ainda promove no Vaticano e em toda a Igreja, motivo de fúria entre fiéis das alas mais tradicionais da Igreja.
O motivo aparente dessa campanha difamatória tem sido sexo - sim, sexo! Francisco quer flexibilizar a comunhão eucarística a divorciados que se casaram novamente e defende os direitos à dignidade cristã de gays, lésbicas, transsexuais etc.
Seus críticos dizem que isso mina ensinamentos da Igreja sobre matrimônio e sexualidade, porque uniões secundárias seriam adultério e que qualquer modo além de heterossexualidade é pecado. Todas as perguntas na capa falsa do jornal eram sobre isso.
Um cardeal norte-americano, Raymond Burke (foto 3) está na linha de frente da oposição a Francisco. Burke preza as regras atuais. Foi ele que disse certa vez ao então candidato presidencial John Kerry que ele não poderia comungar por já ter apoiado o aborto e, atualmente, alinha-se ao grupo em defesa da "vida" representado pelo movimento político de Trump.
Burke dedicou-se durante a maior da vida ao estudo das leis da Igreja e quer garantir que sejam cumpridas. Ele acredita que o papa está fazendo ajustes perigosos na tradição de mais de 2 mil anos do Cristianismo.
Ele ameaçou até mesmo decretar "um ato formal de correção de um erro grave" contra o papa. Seria um gesto ousado e raro - algo assim não ocorre há séculos.
O cardeal vive em um grande e luxuoso apartamento na rua construída por Mussolini que leva à Praça de São Pedro a partir do rio Tibre. É dali que ele comanda sua operação para prover o que chama de "clareza da doutrina".
Costumes e tradições são muito valorizados por ele. Quando o visitei para entrevistá-lo, passei por um chapéu de cardeal mantido em uma redoma de vidro, como se fosse uma relíquia sagrada, no caminho para uma sala onde esperei por sua entrada.
Ao meu lado, estava seu assessor de imprensa, que cumprimentou o cardeal se ajoelhando e beijando seu anel de ouro, um sinal de respeito.
Por outro lado, quando visitei o papa Francisco - como um membro da imprensa que cobre o Vaticano -, nós trocamos um aperto de mãos, e não pude deixar de notar um ligeiro desconforto nele quando as pessoas se ajoelhavam à sua frente.
Diz-se em Roma que os cartazes foram obra de um grupo de direita que não gosta dos apelos do papa para que a Europa receba melhor os imigrantes.
Novamente, ele e Burke parecem estar em lados opostos da questão, mas não há evidências de que o cardeal esteja por trás dos pôsteres ou do jornal falso.
Há muitos católicos conservadores que ficam desconfortáveis com as mudanças promovidas pelo papa e sua decisão de viver em uma casa simples em vez de ocupar a suntuosa residência papal, carregar sua própria maleta e andar por aí em seu carro. Gestos que rompem com a pompa do cargo e são considerados inadequados por alguns. Dentre as mudanças que afetaram diretamente os conservadores do Vaticano estão o combate à corrupção e lavagem de dinheiro no Banco do Vaticano, além da promoção de total transparência nas questões financeiras da Igreja. Papa Francisco também prega uma vida mais simples para o clero e mais sensibilidade da Igreja para com os problemas que afligem atualmente a humanidade.
Até agora, o papa não parece ter dado importância às críticas. "Não tomo tranquilizantes", disse em tom de brincadeira recentemente.
Sua forma de lidar com o estresse, explicou, é anotar os problemas em um papel e colocá-lo sobre uma imagem de um São José adormecido.
São José é a figura à qual os católicos recorrem quando enfrentam dificuldades de ordem prática. "Agora, ele dorme sobre um colchão de papéis", acrescentou Francisco.
O problema é que a função do papa é ser a base da unidade da Igreja. Alertas soam quando se alega que um papado começa a gerar muitas divisões.
Ao mesmo tempo em que Francisco tem sido muito bem-sucedido em falar com as ovelhas desgarradas, ele corre o risco de peder o apoio de quem ainda tem grande poder na Igreja.
O papa admitiu que fissuras estão surgindo entre cardeais, bispos e padres - e, se forem ignoradas, elas podem se tornar problemas ainda maiores.
A questão, no entanto, é como o papa Francisco poderia evitar esses conflitos sem retroceder nas reformas que já estão em curso.

BBC BRASIL, 19 fev 2017
*Christopher Lamb é correspondente do Vaticano para o The Tablet.

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